Ciberviolência contra mulheres e raparigas
A ONU Mulheres refere que a ciberviolência contra as mulheres e as raparigas, embora não seja um fenómeno novo, aumentou rapidamente nos últimos anos, colocando ameaças significativas à segurança e ao bem-estar das raparigas e das mulheres, tanto online como offline. Este facto sublinha a necessidade urgente de proteger e defender os direitos das raparigas e das mulheres na era digital.
Em termos mundiais, de acordo com o Institute of Development Studies (Global Evidence on the Prevalence and Impact of Online Gender-based Violence, publicado a 8.10.2021), entre 16% e 58% das mulheres sofreram violência sexual facilitada pela tecnologia. A Economist Intelligence Unit (Measuring the prevalence of online violence against women, 2020) concluiu que 38% das mulheres tiveram experiências pessoais de violência online e 85% das mulheres que passam tempo online testemunharam violência digital contra outras mulheres. As formas mais comuns de violência relatadas foram a desinformação e a difamação (67%), o assédio cibernético (66%), o discurso de ódio (65%), a falsificação de identidade (63%), a pirataria informática e a perseguição (63%), o astroturfing (um esforço coordenado para partilhar simultaneamente conteúdos prejudiciais em todas as plataformas, 58%), partilha não consentida de material íntimo ou manipulado (57%), o doxing (55%), as ameaças violentas (52%) e as imagens indesejadas ou conteúdos sexualmente explícitos (43%).
As mulheres jovens e as raparigas, que são mais propensas a utilizar a tecnologia para aprender, aceder a informações e estabelecer contactos com os seus pares, também estão mais expostas à violência online. Um estudo global concluiu que 58% das raparigas e mulheres jovens já sofreram alguma forma de assédio online 1.
Em 2024, a PpDM realizou uma investigação qualitativa sobre ciberviolência com crianças, jovens, docentes e pessoal especializado de 9 agrupamentos escolares (27 grupos de discussão com 101 raparigas, 88 rapazes e 80 docentes e pessoal técnico especializado), no âmbito do projeto bE_SAFE. Resultados preliminares dão conta:
Segundo as raparigas e os rapazes:
- Riscos identificados: crimes, burlas, comentários ofensivos, utilização indevida e publicação de fotografias, assédio sexual, acesso a contas/dados pessoais.
- As raparigas são mais afetadas por situações sexuais, como ameaças e/ou chantagem, envio de mensagens sexuais não solicitadas, partilha ou pedido de fotografias e/ou vídeos íntimos.
- Os agressores são maioritariamente ex-namorados.
- Ansiedade, baixa autoestima, depressão, isolamento, automutilação, desconfiança nos outros e até suicídio estão entre as principais consequências detectadas.
- As e os professores não são um recurso para a maioria dos jovens porque não vêem uma relação de proximidade.
Segundo as e os docentes:
- A visão que ainda persiste na sociedade sobre o que é ser mulher e o seu papel na sociedade é uma das justificações encontradas para a existência da ciberviolência.
- Um grande número de docentes e pessoal técnico especializado está sensibilizado para as situações de ciberviolência.
- As escolas devem intensificar os contactos com outras organizações, de forma a responderem mais eficazmente às situações de ciberviolência. No entanto, seriam necessários mais recursos humanos.
- Foi reconhecida a importância do papel da escola na deteção de situações de ciberviolência e do seu papel pedagógico na abordagem desta questão.
- Na opinião de docentes, a família tem um papel fundamental na prevenção e supervisão da utilização das redes sociais e da Internet pelas suas filhas e pelos seus filhos.
Num outro ângulo, recentemente, investigações jornalísticas deram conta de vários grupos no Telegram onde são partilhadas imagens íntimas de mulheres, sem o seu conhecimento e consentimento. Um destes grupos contava com cerca de setenta mil membros, em absoluta impunidade. Estas imagens são obtidas tanto em contextos públicos como domésticos; partilhadas quer por parceiros íntimos quer por desconhecidos. A reportagem publicada pelo jornal público, de autoria de Mariana Duraes, dá conta da partilha de imagens manipuladas com recurso a inteligência artificial, uma nova fronteira na violência sexual contra as mulheres.
Onde fica a responsabilização das plataformas? A violência contra as mulheres exercida no contexto digital é amplamente desvalorizada. As plataformas digitais têm uma responsabilidade crucial neste contexto, demitindo-se com frequência de assumir o seu papel. O Telegram, enquanto plataforma, é cúmplice de crime.
Para as Nações Unidas, o que mais precisa de acontecer para eliminar a violência no mundo digital?
- Melhorar a cooperação entre os governos, o sector tecnológico, as organizações de defesa dos direitos das mulheres e a sociedade civil para reforçar as políticas.
- Colmatar as lacunas de dados para aumentar a compreensão sobre os tipos de violência e os perfis dos agressores e para informar os esforços de prevenção e resposta.
- Desenvolver e implementar leis e regulamentos com a participação de sobreviventes e de organizações de mulheres.
- Desenvolver normas de responsabilização para as plataformas intermediárias da Internet e o setor tecnológico, a fim de aumentar a transparência e a responsabilização pela violência digital e a utilização de dados.
- Integrar a cidadania digital e a utilização ética das ferramentas digitais nos currículos escolares para promover normas sociais positivas online e offline, sensibilizar jovens – especialmente os rapazes e os jovens -, as e os prestadores de cuidados e as e os educadores para um comportamento ético e responsável online.
- Reforçar a ação colectiva das entidades dos setores público e privado e das organizações de defesa dos direitos das mulheres.
- Capacitar as mulheres e as raparigas para participarem e liderarem o setor da tecnologia, a fim de informar a conceção e a utilização de ferramentas digitais seguras e de espaços livres de violência.
- Garantir que as entidades dos setores público e privado dão prioridade à prevenção e eliminação da violência digital, através de abordagens de conceção baseadas nos direitos humanos e de investimentos adequados.
Para o Lobby Europeu das Mulheres, a União Europeia precisa de
- Implementar efetiva e eficazmente a Lei dos Serviços Digitais (DSA) e acionar os seus poderes para investigar, sancionar e responsabilizar as empresas tecnológicas pela remoção de conteúdos ilegais partilhados nas suas plataformas.
- Encorajar todos as e os utilizadores a denunciar conteúdos ilegais que vejam online e a contactar a ou o coordenador nacional dos serviços digitais para denunciar qualquer infração ao DSA.
Educação obrigatória sobre cidadania digital feminista e segurança online em todas as escolas da UE, como parte de um currículo mais vasto que aborde as causas estruturais da desigualdade entre mulheres e homens, as diferentes manifestações de todas as formas de violência contra as mulheres e as raparigas e as suas consequências, e que aumente os conhecimentos sobre o “livre arbítrio e consentimento” nas relações interpessoais numa idade precoce.